O nascimento de uma filha ou um filho é, quase sempre, cercado de muita ansiedade e expectativa. Por isso, segurança e apoio são mais que bem-vindos. Mas o que muitas gestantes encontram na hora de dar à luz é desrespeito. Florrie Fernandes passou por essa experiência. A psicóloga teve a bolsa rompida e recebeu ocitocina sintética, um hormônio para acelerar as contrações. Tudo sem que ela concordasse. “A dor da ocitocina é lancinante, é uma coisa assim terrível. Você fica lá numa cama, e as enfermeiras não estão preparadas para cuidar de uma mulher com parto normal. Aí dizem que ela não pode levantar. E eu acho que o mais agressivo de tudo é que não foi a minha escolha. Não foi aquilo que eu combinei com o médico.”
De acordo com uma pesquisa de 2010, feita pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro gestantes brasileiras sofre a chamada violência obstétrica, que significa qualquer ato direcionado à grávida ou ao bebê, praticado sem a permissão da mulher ou contra a autonomia e a vontade dela. E não precisa ser só durante o parto, não. Quem esclarece é o obstetra Thiago Saraiva. “Desde o pré-natal, essa mulher já pode ser vítima de violência obstétrica. Sabemos das superlotações das nossas maternidades, da falta de privacidade a essas mulheres, então isso em si já é uma violência para aquela paciente. Sem contar na postura de muitos profissionais, que costumam, naquele momento de dor, de sofrimento da paciente, dizer frases do tipo ‘na hora de fazer, você não gritou assim’. Não trata a paciente naquela situação especial em que ela vive, em que ela merece mais atenção.”
Uma das maiores dificuldades que o Brasil enfrenta nessa área é o alto número de cesarianas. O país tem a maior taxa mundial de realização dessa cirurgia: uma média de 52%, segundo a Fiocruz. A Organização Mundial de Saúde recomenda 15%. Thiago afirma que a cesariana pode salvar a vida da mãe e do bebê, mas, muitas vezes, o procedimento é imposto sem necessidade. “Acredita-se que a cesariana é mais segura, mas a gente sabe que aumenta em 120 vezes o risco de o bebê ter um desconforto respiratório. Aumenta em cinco vezes o risco para a mãe. Então realmente ela só deve ser realizada quando necessária. O parto é um evento fisiológico natural, inerente ao corpo da mulher e que, por esse motivo, deve ser a via preferencial.”
A doula é uma profissional que costuma estar presente nos partos humanizados. Ela acompanha a gestação e participa do nascimento, com técnicas para diminuir as dores da gestante. Pollyanna Mendes é doula há dois anos e já participou de 27 partos como profissional. Ela explica o que é um parto humanizado. “É entender quem é essa mulher, qual é o histórico dessa mulher, qual é a realidade dessa mulher, como é que está se dando o parto dela e, aí sim, definir quais são os procedimentos que devem ou não ser feitos. Respeitar os desejos dessa mulher, respeitar a autonomia feminina. Ver a mulher como centro daquele momento e, não, o médico.”
Ana Katz Schuler é doula e coordenadora do Ishtar, um espaço para gestantes que promove encontros gratuitos e quinzenais no Recife, desde 2007, para a troca de conhecimentos. Ela conta que a procura pelo Ishtar tem crescido nos últimos anos. “A gente começou bem timidamente. Os primeiros encontros às vezes dava dois, três casais. Teve encontro que não foi ninguém. E, aos poucos, o grupo foi crescendo. Hoje em dia, a gente tem mais de 20 unidades pelo Brasil.”
Grávida de 27 semanas e frequentadora do Ishtar desde o início da gestação, Natalia Bordalo já passou por duas cesarianas, contra a vontade dela. A professora de artes se prepara para o terceiro filho e o primeiro parto humanizado. “Eu espero conseguir, finalmente, ter o meu parto da maneira que eu sempre sonhei, desde bastante jovem. E espero que muitas mulheres também tenham pelo menos a possibilidade de fazer uma escolha.”
Agora é só esperar a chegada de Isaac Miguel. E o mais importante: é ele mesmo quem vai decidir a hora de nascer.